domingo, 17 de janeiro de 2010

São Paulo, domingo, 17 de janeiro de 2010,




HAITI EM RUÍNAS



Embargo econômico após golpe de 1991 arruinou país de vez



Sanções mundiais em resposta a deposição deram cabo dos polos econômicos que sobreviveram à rapina dos Duvalier



País cresceu apenas 5% de 1990 a 2008, ante 82% da América Latina; crise de 1992-94 cortou 30% do PIB e arrasou com maquiladoras



VINICIUS TORRES FREIRE

COLUNISTA DA FOLHA



Haiti e República Dominicana dividem a ilha de Hispaniola. Em 1960, o valor do PIB per capita dos dois países era quase o mesmo, equivalente a um quarto da média latino-americana. Em 2005, o PIB real per capita da República Dominicana triplicara. O do Haiti fora reduzido quase pela metade. A República Dominicana foi o país da região que cresceu mais rápido no período. O Haiti ficou na lanterna. O economia haitiana cresceu apenas 5% de 1990 a 2008; a América Latina, 82%. O que aconteceu no Haiti?

A pergunta e alguns dos dados constam de um estudo de economistas do FMI, Laura Jaramillo e Cemile Sancak ("Por que a Grama é Mais Verde em um Lado da Hispaniola?"). O trabalho oferece algumas respostas óbvias. Mas não trata do colapso final da economia haitiana, causado pelos embargos econômicos dos anos 90.

Em 1991, o presidente Jean-Bertrand Aristide foi derrubado. O golpe motivou sanções econômicas dos Estados Unidos, de países da OEA e, em 1994, um embargo da própria ONU. As exportações caíram 40% em 1994, para um terço do nível de 1991. De 1992 a 1994, a economia encolheu 30% (segundo dados da Cepal, a queda foi de 22%, mas estatística no Haiti é um problema). A receita do governo caiu pela metade. O país cresceu menos entre 1980 e 2000 do que de entre 1960 e 1980, sob os Duvalier. O embargo acabou de arruinar o restante da economia.

Parte importante da economia haitiana dependia da indústria têxtil e das maquiladoras, montadoras de produtos para exportação, baseadas em zonas francas -fabricavam bolas de beisebol, equipamentos elétricos simples, brinquedos. Segundo relatórios da ONU, em meados dos anos 1980 as maquiladoras empregavam 80 mil pessoas. Em 1990, existiam 252 maquiladoras, com já apenas 46 mil trabalhadores. Em 1995, eram 44 empresas, com 6.000 empregados. Diz-se que as maquiladoras voltaram a empregar 20 mil pessoas em 2008.

O embargo arrasou o que havia restado de vivo na economia haitiana. Sob a ditadura de Jean-Claude Duvalier (1971-86), o que se pode chamar de política macroeconômica do país foi de vez à breca. Os gastos e a corrupção explodiram. Para piorar, como em toda a América Latina, os anos 1980 foram de crise: a renda per capita encolheu em média 2% ao ano.



História e geografia

Jaramillo e Sancak dizem que a geografia do Haiti e a da República Dominicana são muito semelhantes; a precariedade institucional também, ao menos até 1960. A "origem histórica" não explicaria o desempenho díspar da economia dos dois vizinhos. Observam de passagem que a rapina dos ditadores haitianos pós-1960 viria a ser muito maior do que a dos dirigentes dominicanos, autocratas quase ditadores. Com base num modelo estatístico, dizem que a qualidade das políticas "estruturais", de estabilização econômica e a relativa calmaria política deram vantagem aos dominicanos (além de "reformas": abertura comercial, privatização etc). Que seja. Mas por que as políticas haitianas seriam tão piores?

O médico François Duvalier, Papa Doc, foi eleito em 1957, na primeira eleição geral haitiana. Fraudou sua reeleição em 1961 e se declarou presidente eterno em 1964. Foi um ditador demente, assassino, ladrão, egomaníaco e genocida, "encarnação da pátria haitiana" responsável por desencarnar 30 mil compatriotas por motivos políticos ou algo próximo disso. Morreu em 1971. Seu filho, Jean-Claude Duvalier, aliás Baby Doc, e mulher, Simone, ficaram no poder até 1986.

Em 1960, contam Jaramillo e Sancak, a expectativa de vida ao nascer no Haiti era de 44 anos (54 nos vizinhos). Não há dados sobre analfabetismo para esse ano, mas, em 1970, 78% dos maiores de 15 anos eram iletrados no Haiti, contra 33% na República Dominicana. Miséria, ditadura, insegurança provocaram a migração de muitos dos melhores quadros haitianos.



Agricultura

O embargo e o tumulto político dos anos 1990 também destruíram o resto da agricultura haitiana. Os agricultores se endividaram, acabaram de esgotar o solo e as florestas. A agricultura comercial do Haiti era café e açúcar, prejudicadas por baixas nos preços, nos anos 1980. Mas preço nem de longe foi o único problema. A produtividade e produção haitianas de café eram tão baixas nos anos 1980 que o país nem ao menos conseguia atingir o limite das cotas de produção estipulados pelo cartel do produto.

A renda do café era apropriada por comerciantes e exportadores, um desincentivo à produção. A maioria das propriedades rurais é pequena e de baixa produtividade (agora ainda menor). A estrutura fundiária do país, derivada da grande reforma agrária da independência, pouco mudou desde o século 19. As propriedades, já pequenas, foram picotadas com o aumento muito rápido da população; para piorar, a terra é escassa, pois o país é montanhoso. A agricultura tradicional, de baixa produtividade, aproveita mal a terra restante.





Link: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1701201006.htm

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